Desenvolvedores e profissionais de tecnologia são necessários na era das IA's autônomas?
Com a popularização das inteligências artificiais generativas, não é raro ouvir que a programação tradicional está se tornando obsoleta. Ferramentas que completam código automaticamente, geram interfaces inteiras e até sugerem soluções de arquitetura já estão sendo vendidas como o futuro inevitável do desenvolvimento de software.
Mas se a tecnologia está caminhando para fazer tudo sozinha, então por que o mercado ainda busca programadores, designers e product managers?
A Ilusão da Autonomia Total
Quando um assistente de código sugere uma solução em segundos, é fácil acreditar que a IA realmente entende o que está fazendo. Mas ela não "compreende" lógica, contexto ou intenção — apenas repete padrões aprendidos a partir do trabalho acumulado de milhões de desenvolvedores reais.
Ao tratarmos essas ferramentas como substitutas do pensamento humano, corremos o risco de inverter a relação: em vez de usarmos a tecnologia para ampliar nossa capacidade crítica, nos tornamos reféns das respostas que ela nos entrega.
Do Fordismo ao Code-Factory: Desenvolvedores Como Apertadores de Parafuso
No início do século XX, Henry Ford revolucionou a indústria automobilística ao implementar a linha de montagem, tornando a produção mais rápida e eficiente. Mas a eficiência tinha um custo: os operários foram reduzidos a funções repetitivas, apertando os mesmos parafusos sem nunca enxergar o carro completo que produziam.
Hoje, desenvolvedores e designers muitas vezes ocupam um papel semelhante. O mercado fragmentou tanto a construção de software que muitos profissionais se limitam a encaixar componentes prontos, configurar frameworks ou seguir tickets de backlog sem questionar a lógica por trás da solução. Como no fordismo, há uma separação entre quem projeta a tecnologia e quem apenas executa tarefas isoladas dentro dela.
Esse modelo aliena o profissional da totalidade do produto. No fordismo porém, o conhecimento e ferramentas que impediam o operário de conseguir fabricar um carro eram muito maiores do que os que impedem um profissional da tecnologia de construir uma aplicação do zero sozinho.
"Quem Não Programa, É Programado"
O escritor e tecnólogo Douglas Rushkoff cunhou a frase "Program or be programmed" para descrever um princípio essencial da era digital: quem não entende como a tecnologia funciona, acaba sendo moldado por ela sem perceber.
Os processos adotados pelo mercado nem sempre incentivam esse aprendizado completo. Pelo contrário, frameworks abstratos, ferramentas de low-code e a segmentação extrema do trabalho criam um ambiente onde muitos profissionais nunca chegam a entender toda a cadeia que compõe um sistema.
Se o que nos diferencia como profissionais não é só a capacidade de digitar código, mas de pensar tecnologia, então a real ameaça não é a automação, mas a perda da nossa autonomia intelectual.
Agora vou lançar a pill
Para quem quer não só se destacar no mercado, mas realmente compreender a concretude do que faz, há um caminho inevitável: o movimento individual de tomar a pílula vermelha.
Em Matrix, Neo escolhe enxergar a realidade como ela é, mesmo que isso signifique enfrentar verdades desconfortáveis. No desenvolvimento de software, a pílula vermelha é o aprendizado real e árduo da construção de sistemas do zero. No início, pode parecer árido: entender arquiteturas, resolver problemas complexos sem atalhos, aprender conceitos que o mercado diz que "você não precisa se preocupar".
Mas, assim como Neo, ao atravessar essa barreira, você adquire um tipo de "superpoder": o de enxergar além da camada superficial e manipular a realidade do mercado a seu favor. Quando você entende como a tecnologia é construída, você deixa de ser apenas um executor e passa a ter controle sobre suas próprias decisões.
A programação não está morrendo. Mas a forma como a encaramos pode definir se seremos protagonistas ou apenas apertadores de parafuso na linha de montagem digital.